O recado abaixo eu vi no blog do
Alexandre (Lost In Japan), um querido amigo que sempre que pode vem visitar este blog.
Repasse: As pessoas precisam entender que as crianças com necessidades especiais não estão doentes. Elas não procuram uma cura, apenas aceitação. Esta é a semana da educação especial. Noventa e três por cento das pessoas não vão copiar e colar este texto. Que tal fazer parte das sete por cento e...deixá-lo no seu mural por pelo menos, uma hora?
Essa campanha me lembrou um triste episódio, que aconteceu há alguns anos.
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Cidade de Hamamatsu.
Província de Shizuoka. |
Noite, estação de trem de Hamamatsu, um tanto vazia.
Umas seis pessoas conversavam animadamente, enquanto aguardavam chegar o trem.
Dekasseguis (brasileiros que moram no Japão, assim como eu).
Chegou um pequeno grupo de jovens japoneses, uniformizados, com necessidades especiais.
Autismo.
A conversa meio que emudeceu, vi o grupo dekassegui olhando bem torto o grupo de jovens autistas.
Um parecer bem negativo foi emitido claramente, sem disfarces (já que os jovens autistas provavelmente não entendiam português mesmo): esses retardados deveriam ficar em casa, aonde já se viu retardado ficar andando na rua, só nesse Japão mesmo...e coisas do gênero.
No grupo de dekasseguis, duas garotinhas.
Simpatizaram com os jovens autistas e sorriram para eles, acenaram.
Nisso, um dos garotos com necessidades especiais se aproximou das meninas e disse "Kon-banwa" (Boa noite) em voz alta.
Uma mulher (a mãe de uma das meninas, talvez) entrou na frente das crianças e começou a gritar, em português mesmo:
- Afaste-se! Saia daqui!
E seguiu um alto Damêeeee (uma expressão que significa "não pode, não deve").
Ameaçava o menino com seu olhar crispado, duro. Braços e pernas abertos, como se fosse uma cerca de arame farpado humana à "proteger" a pequena menina.
O garoto se assustou, paralisou com a reação da mulher.
Aproximou-se, então, a senhora responsável pelo grupo de jovens autistas e começou a dizer em japonês: não são perigosos, querem apenas ser amigos.
Um rapaz do grupo dekassegui, que falava um japonês horrível, começou a brigar com a coordenadora japonesa, dizendo que lugar de "retardado" é em casa, não na rua.
Fazia sinal de louco (dedos rodopiando em volta da orelha, gesto que não tem sentido algum para um japonês) e dizia: damê, damê. baka hito, uchi dakê - não pode, não pode, pessoa boba, só casa -(tentativa de dizer que autistas deveriam ficar apenas em casa e não estar na rua).
E fez alguns gestos agressivos, falou algumas coisas do tipo "se aproximarem da gente de novo, vão apanhar".
Tentei argumentar alguma coisa, uma outra mulher do grupo griou comigo: cala a boca, seu fdp, a filha não é sua.
E o grupo dekassegui deixou a estação, temendo "um ataque em grupo dos retardados contra as meninas e eles próprios".
Revoltados, saíram praguejando que lugar de criança "retardada" é em casa e não na estação do trem, assustando as pessoas "normais".
Assim que o grupo dekassegui virou as costas, o jovem rejeitado, humilhado, começou a chorar.
Aquele choro contido, que a pessoa nada fala e apenas soluça, tamanha a dor que sente.
No olhar, aquele olho fundo, perdido, que olha desesperado querendo entender porque as coisas tinham que ser deste modo.
O olhar de quem sabe o que é a rejeição, o que é o preconceito, o preço de ser diferente.
Olhos que pareciam dizer "eu não tenho culpa de ser assim, eu não quis magoar ninguém".
E nisso os outros jovens começaram a chorar também, porque com certeza entendiam o sentimento do amigo rejeitado. A dor dele era uma velha dor, familiar a todos, com certeza.
Eu só consegui olhar para a coordenadora e soltar um "sinto muito" e baixar a cabeça... não consegui falar mais nada.
Foi tudo muito rápido, mas profundo demais...
Chegou o trem que esperavam.
Era meu trem também, mas não tive coragem de seguir junto, sentia vergonha e covardia.
Doía encarar aqueles jovens chorando, ter a noção da realidade que eles viviam, não tive coragem de seguir junto.
O trem partiu. Da janela vi alguns jovens ainda chorando, outros de cabeça baixa.
Me veio a mente os trens com judeus, que seguiam para Auschwitz...
No Japão, os portadores de necessidades especiais passam por tratamento especial, para visar a total independência.
São estimulados a não ficarem presos em casa, (a andar de trem inclusive, locomover-se), a estudar e posteriormente trabalhar, integrar a sociedade, formar família.
E a nossa parte é compreender o limite do outro, aprendermos a ter respeito. Não julgarmos pela aparência, pela cor, posição social, etnia, religião. Coisa difícil, porque a gente precisa sentir um preconceitozinho, um desprezo por alguém para não se sentir tão pra baixo, não é verdade?
Texto copiado do blog Lost In Japan.